Contra o Fascismo
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A sessão de “Jovens Infelizes” na abertura da Mostra de Tiradentes hoje tem um sentido especial: o sentido de denúncia ao fascismo crescente que já discutíamos neste trabalho. Filmávamos um futuro nefasto e este futuro chegou. Fascistas de verde e amarelo na rua unidos à polícia pedem um novo golpe. A violência física e verbal contra pessoas de esquerda se espalha. A imprensa que outrora apoiou o golpe civil-militar de 1964 novamente mostra sua cara. Sindicatos e organizações políticas são impunemente invadidos pela polícia e depredados por grupos de extrema direita. A judicialização da política chega ao seu nível mais grotesco, através de um judiciário partidarizado e notoriamente seletivo em suas investigações. O Estado policialesco que grampeia até mesmo a presidência da república e conversas particulares que nada provam, torna-se motor para o golpismo e a indignação seletiva.
Nosso futuro nunca foi tão incerto. E quem pagará no final a conta do golpismo são os mesmos de sempre: os deserdados da terra, aqueles que são impedidos de se manifestar nas ruas, a quem o Estado reserva suas bombas e suas balas de borracha. Os não brancos, aqueles que não estão representados na Paulista: a população negra, a população indígena, os pobres.
Não há indignação frente o cotidiano massacre de jovens negros periféricos perpetrados pelas polícias militares do país. Este ano completam-se dez anos dos crimes de Maio, onde 600 pessoas foram chacinadas pela polícia em apenas duas semanas no Estado de São Paulo sem que ninguém tenha sido efetivamente responsabilizado. Pelo contrário, há anos o governo do Estado obstrui qualquer possibilidade de investigação. Não há indignação pela violência contra os alunos nas escolas públicas e contra o escândalo das merendas, não há indignação contra a distribuição de renda criminosa que segue vigente em nossa estrutura social. Contra isso nos indignamos, contra a omissão de todos os nossos governantes, todos eles, frente esta ordem de coisas.
Estamos reunidos aqui hoje na abertura da Mostra de Tiradentes em São Paulo, ao lado da Avenida Paulista. Ali, onde gays e mendigos sofrem cotidianamente a violência fascista; ali, onde os barões de café deixaram ruínas; ali, onde a polícia impede manifestações por direitos sociais, ali onde o fascismo mostra sua cara de maneira mais descarada. Tempos cínicos os que vivemos.
Um festival de cinema talvez seja um bom lugar para compreender o que ocorre hoje a alguns metros de nós. Pois tudo não passa de um espetáculo. Um espetáculo verde-amarelo contra a democracia e a favor de velhas forças contra as quais lutamos quando produzimos nossos filmes. Nossos filmes não são apenas sonhos. Eles retratam sim o que se passa nas ruas. Mas com o olhar da sociedade que queremos um dia. Tal sociedade não está hoje nas ruas. As ruas não estão ocupadas. Elas estão doentes. Sofrem de uma histeria coletiva que se volta contra mudanças, as poucas que tivemos. Tempos difíceis.
Façamos deste encontro um momento para nós! Falamos em nossos filmes do fascismo institucionalizado nas mais diversas formas de militarização. Contra tudo isso, lutamos. Não deixemos que os fascistas se sintam à vontade para dar mais um golpe em nossos sonhos! Não passarão! Não nos deixemos iludir por heróis. É tudo o que a imaginação hollywoodiana nos faz fantasiar. Façamos uma política sem heroísmo, a política do chão, do debate, da democracia. A política-trabalho, trabalhadora, carne, corpo e sangue.
No escuro dessa sala, pensemos sobre isso. Nas ruas, lutemos contra tudo isso.