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Deparei-me hoje com o texto/reflexão/provocação do Bruno Natal para o site “O Esquema” com o título de “Kiko Dinucci e o Medo do Pop“.

Como o próprio Bruno escreveu no começo do texto, ele nunca me entrevistou pra saber a minha posição a respeito, mas, mesmo assim, levantou diversas questões e conclusões. Senti-me com liberdade pra responder algumas dessas perguntas, já que no texto, meu nome é citado quase como uma espécie de símbolo da encruzilhada da minha geração em relação às massas.

No texto, a encruzilhada apresenta dois caminhos, o que ele chama de “pop” e outro que ele chama de “indiezices”.

O pop, nunca foi sinônimo de popular. O maracatu rural da Zona da Mata em Pernambuco, por exemplo, é popular mas não é pop. O pop está relacionado diretamente à cultura de massa. É a série de sopas Campbell do Andy Warhol, tem a ver com produtos fabricados em série, consumo em alta escala, repetição. Música popular, ao longo da história, era aquela que dialogava de maneira espontânea com a cultura das ruas. O samba já era popular nos morros antes de invadir a classe média pela rádio e se tornar o gênero símbolo da nação brasileira. Procuro usar como exemplo para a distinção entre popular e pop, a Aracy de Almeida cantora popular e intérprete de Noel Rosa e a Aracy pop do show de calouros; ou o Ary Barroso compositor popular e o Ary pop apresentador de calouro e comentarista esportivo.

O termo “indie” vem das bandas norte-americanas ou inglesas que lançavam seus discos fora das grandes gravadoras, as majors. Esse rótulo se intensificou com o percurso das bandas punks, pós-punks, rock inglês, dando origem ao que chamamos de “indie rock”. A partir daí o rótulo deixa de ter apenas uma conotação econômica para passar a ter uma característica estética: camisa de flanela, calça jeans, cabelo bagunçado. O apogeu mercadológico do indie foi o Grunge, centrado na figura da banda Nirvana após o enorme investimento do empresário dono de gravadora David Geffen. Depois de ganhar rios de dinheiro com bandas como Aerosmith e Guns n’ Roses, Gaffen resolveu personificar o ‘indie’ como modelo rentável, contratando também bandas como Sonic Youth (antes do Nirvana), Beck, Weeser, mudando os rumos do mercado do rock.

No caso da Geffen, a encruzilhada vira uma cobra se engolindo, o indie vira cultura de massa, não popular. Popular essas bandas já eram entre os seus pequenos públicos: passaram parte dos anos 80 viajando pela América ou Europa, apertados em Van, carregando amplificadores nas costas, construindo público aos poucos.

Quando um jornalista (e muitos fazem isso) dizem que não gostamos do grande público, acho no mínimo injusto: não tivemos tempo suficiente para chegar a tal conclusão. Ou seja, no meu caso, ainda estou na fase de carregar o amplificador nas costas, desbravar lugares pelo Brasil, América do sul ou Europa, ganhando pouco e formando público a longo prazo. Se o grunge precisou de 15 anos de cena indie pra acontecer, acho precipitado um jornalista nos responsabilizar pela distância entre nossa arte e a cultura de massa em tão pouco tempo de análise. É como culpar um blog de não ter a mesma quantidade de público que a revista Veja tem.

O mesmo fenômeno que aconteceu com o indie em terras estrangeiras, já aconteceu por aqui. Posso citar o pagode carioca do começo dos 80, vindo da turma do Cacique de Ramos, que tinham uma estética madura e definida. A demanda popular vinda dos bairros de subúrbio fez com que as grandes gravadoras contratassem os artistas desse grupo para que ele tivesse um alcance de massa. A mesma coisa aconteceu com o Pagode paulista dos anos 90, o funk carioca, o rap, o tecnobrega. Todos esses casos têm uma estética definida, como o indie teve. Nascem de dentro pra fora, formam pequenos públicos e só depois ganham tratamento pop.

A minha geração sofreu muita influência da cultura indie. Geração que lia revista Bizz, assistiu MTV, acho natural. Chico Science também bebeu dessa cultura e conseguiu transformá-la de maneira determinante em outra coisa, levando em consideração o apoio que ele teve de uma grande gravadora e incentivos governamentais. Posso usar camisa de flanela, mas não consigo me identificar genericamente com todos que usam camisa xadrez. A música deve ser analisada pela música antes da estética visual ou rótulos fáceis.

Acho estranho quando rotulam artistas como indie ou pior, “música cabeçuda”. Sempre acreditei no potencial popular da minha música e tenho absoluta certeza que muitas delas poderiam estar na novela. Posso citar o samba “vias de fato” gravado no disco Metá Metá, ou na canção “São Jorge” do disco MetaL MetaL. Elas já são populares por si só, acredito eu. Se elas não fazem parte das paradas de sucesso das rádios e TVs, já inclui um processo que não fica só nas minhas mãos. Sabemos, por trás da cultura de massa existe uma máquina, com regras claras, definidas, dogmas a serem seguidos. Se você não seguir, está fora desse sistema automaticamente.

Minha geração foi abortada pela industria, já nascemos renegados pelo mercado. Aprendemos a comer pelas bordas, fora dessa mídia, o mesmo caminho dos indies: fazer show em pequenos lugares, botar disco de graça pra download para poder espalhar o som, formar público lentamente. No meu caso, sou conhecido ou prestigiado por poucos, alguns críticos me conhecem. Ao mesmo tempo sou totalmente ignorado pela mídia de massa. Ninguém nunca, eu digo nunca, me procurou: nenhuma gravadora, nenhuma rede globo. Já nasci ignorado, só me resta fazer o meu próprio trajeto, como um cara em situação de rua que sai comendo lixo pra não morrer. Ao invés de reclamar ou chorar as pitangas sobre a mídia, vou fazer meu trabalho, com público de baixa escala e me considero bem sucedido, pois sobrevivo da minha arte, vivo diariamente das minhas invenções.

No caso do Cortes Curtos, Bruno assistiu a uma versão experimental, só de guitarra. Estou apresentando as canções de uma maneira crua e capaz de fazer o show com pouco investimento financeiro, testar as canções.

No texto, Bruno pergunta (pra ele mesmo, não pra mim) por que o show foi limitado à voz e guitarra? Seria preguiça de terminar arranjos mais complexos e necessários para estourarem?

Acho uma pergunta interessante. Arranjo complexo não é uma característica da música pop e sim do que ele chama com desprezo de “música cabeçuda”. Vou gravar o disco com banda também, mesmo assim, acredito que os arranjos não se encaixarão no modelo da indústria que já conhecemos. Não porque a música é difícil, o próprio autor do texto constatou ao vivo o potencial popular das canções. Mas suspeito que não se encaixará no que o modelo da industria de massa propõe.

Logo depois ele pergunta: Ou medo de se expor ao tentar fazer um hit e falhar?

Eu já nasci falhado, sou um artista abortado pela indústria. Falhar não é meu medo, senão não lançaria 10 discos todos diferentes entre si. Espero que não soe agressivo. Só me senti no direito de responder tais questões, já que sou o citado do texto.

Costumo dizer que Cortes Curtos talvez seja um disco pop: com essa frase vislumbro uma possibilidade de seguir os passos de Warhol, de discutir o pop de maneira crítica. Warhol não deixou de ser pop quando produziu a “música cabeça” do Velvet ou quando se aventurou pelo cinema underground. Acredito que não, com sua inquietação: Warhol procurava fazer com que o pop se apropriasse de uma cultura mais subterrânea e complexa. É esse pop que o Cortes Curtos quer ser quando crescer. Que ele exista como arte e expressão antes de qualquer coisa. Se não interessar à industria (será que de fato ela ainda existe?), vou continuar a carregar o amplificador nas costas e olhar meu pequeno público nos olhos, tenho orgulho dele, não vergonha.