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fome além da janela descansa prateado o horizonte pleno em sonhos.

a fome consome as últimas árvores em êxtase silente. há muito as sirenes cessaram. furioso, o deserto oferece um brinde sem resposta aos olhares constrangidos dos convivas: o vento o leva além dos confins, além de nossa visão e o traz de volta:

esboça uma linha em torno de nossas sombras: ‘além não irão’.

respirar o ar acre e escaldante que arrasta pelos séculos é como mergulhar em memórias. à espreita da eminência, repousas cinzas sob os lençóis. os olhos brancos das estrelas perfuram o rosto da noite: por detrás de uma névoa de sangue sua contemplação despedaçada.

o rapto da fome goteja lágrimas amarelas no solitário. à espreita da eminência repousas cinzas sob os lençóis. a noite tornou-se como nós no conhecimento do bem e do mal.

se ainda houvesse tempo no desconforto infamiliar das dores, dos opulentes escombros do esquecimento, criariamos viça sobre rumores. mas ainda à espreita da eminência, repousas cinzas sob os lençóis.

medo.

temi o sino a rasurar o silêncio de dias negros como a noite

me armei contra o grito ofensivo às intempéries às quais o viver se ajoelha

temi temer.

1915 (pequeno sofrimento sobre o silenciado genocídio dos meus antepassados armênios)

adana, o olhar do faminto alimenta a tempestade eminente. suas portas refletem as centelhas de istanbul. descansarás, mas não hoje.

marash, o barro não mais afundará seus pés, mas suas faces. ainda, no fundo dos olhos soterrados, um brilho moribundo suspira: ‘os mortos têm fome’.

deïr-ez zor, refletes palidamente sonhos de outrora. a mãe sufoca a criança contra o peito seco. seus olhos queimam, mas a noite tem fome.

arax, espelho dourado. os que daqui passaram não sonham ir além. suas águas lavaram o rumor da eternidade!, porque a nós silencia?

chama.

dia de ira: o dia a verter horas sobre o dia, sobre o açoite a gritar em nossas chagas.

dia de ira: as palavras que sofrem ao fim de nossas angústias intentam aprender a falar como o surdo diante da centelha de uma vela.

dia de ira a boca profunda a verter palavras diante da chama inabalável.