Dossiê Mães de Maio: Carreirismo acadêmico, ongueiro e estatal
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Nós do Movimento Independente Mães de Maio há muito tempo alertamos, e hoje reforçamos estar totalmente cansad@s da quantidade de oportunismo e carreirismo acadêmico com o qual somos obrigad@s a lidar dia após dia. Diversos gestores acadêmicos (ligados direta ou indiretamente a ONGs e ao Estado), professores, pesquisadores e até mesmo jovens estudantes – muitos que se auto-definem como “de esquerda”, mas que na verdade se aproximam dos movimentos única e exclusivamente pensando em SUAS pesquisas acadêmicas; em SEUS currículos que lattes mas não mordem; em SEUS eventos institucionais; e em SUAS carreiras individuais na academia ou em instituições ligadas direta ou indiretamente a órgãos do Estado.
NÓS NÃO ESTAMOS GENERALIZANDO, DE MANEIRA NENHUMA, pois sabemos que há pessoas realmente sérias, comprometidas e generosas dentro de algumas ONGs, das universidades e até mesmo em alguns órgãos estatais, que buscam realmente conciliar seus trabalhos com alguma dimensão prática e algum grau de engajamento – de modo que o Conhecimento produzido gere transformações efetivas na sociedade em prol dos trabalhadores e trabalhadoras. Aliás, quem sabe que está fazendo um trabalho sério e comprometido, não tem qualquer crise de consciência com a crítica que fazemos aos demais. Justamente por nós termos consciência e prezarmos muito a diferença efetiva que os verdadeiros intelectuais podem fazer nas práticas das lutas populares é que nós fazemos esta crítica àqueles que se auto-denominam “intelectuais” ou “aliados” sem fazerem jus a este nome.
AFINAL, A QUANTIDADE DE OPORTUNISTAS, CARREIRISTAS E INDIVIDUALISTAS QUE SE APROXIMAM DE CAUSAS E MOVIMENTOS SOCIAIS PENSANDO APENAS NO SEU UMBIGO, É INFINITAMENTE MAIOR E IMPRESSIONA A CADA DIA MAIS!
Se um décimo das energias cerebrais, físicas e intelectuais gastas por estes descolados estudantes, pesquisadores e professores – sobretudo os autoproclamados “de esquerda”, estivesse de alguma maneira relacionado/contribuindo para a construção cotidiana dos territórios, espaços e coletivos ligados aos movimentos e organizações sociais autônomas dos trabalhadores e trabalhadoras, SE ELES ESTIVESSEM MINIMAMENTE MAIS PRÓXIMOS E ENGAJADOS REALMENTE NAS LUTAS E NA CONSTRUÇÃO DE ALTERNATIVAS PRÁTICAS, A SITUAÇÃO DA ESQUERDA BRASILEIRA HOJE PODERIA NÃO ESTAR A REAL CALAMIDADE QUE HOJE SE ENCONTRA.
Só que não. A única coisa que interessa e está no horizonte de muitos desses parasitas é o próximo evento, a próxima publicação, a próxima pontuação no currículo, o próximo lobby acadêmico, o próximo edital ou concurso, o próximo passo de sua carreira individual… A dimensão Pública e Coletiva, e as consequências políticas do Conhecimento produzido definitivamente não são prioridades para essas pessoas…
Imaginem se toda a estrutura que é disponibilizada a estes pesquisadores e gestores – de bolsas individuais à estrutura física, espaços, recursos para publicações, recursos para viagens etc – pudesse fortalecer minimamente as lutas da classe trabalhadora e de nossos movimentos – que fazemos verdadeiros milagres sem recurso algum. Só que não, esta estrutura, este “conhecimento”, e estes recursos – e a decisão sobre eles – passam longe dos movimentos, que só são úteis para serem citados em currículos, em projetos ou em pesquisas. Ah, e claro: citados também à vera em relatórios de prestação de contas frutos de captação de dinheiros que passam longe de nossos espaços de decisão sobre a finalidade desses recursos (“públicos”, por sinal).
São incontáveis as vezes que nos faltam recursos/condições para conseguir o transporte básico, municipal ou intermunicipal, de uma guerreira ou de um guerreiro para ir daqui ali para participar de uma luta importante… Enquanto isso assistimos, logo ali do lado, departamentos universitários, ONGs e “especialistas” ou esbanjando recursos, ou deixando entregue às moscas toda uma estrutura e um conhecimento que é totalmente acessível a eles – e permanece inutilizado.
E, nos seus textos, tecem teses e mais teses sobre a situação crítica do país, da classe trabalhadora, dos pretos, dos pobres, dos periféricos, das mulheres, das “vítimas” que são APENAS OBJETOS EM SUAS BELAS PESQUISAS. Sequer fazer pequenas adaptações e transformar reflexões críticas bem elaboradas em propostas concretas para as lutas ou para políticas práticas que melhorem a situação d@s trabalhador@s (objeto da pesquisa), muitas vezes, se dão a este mínimo trabalho… Algo que poderia ser resolvido, em alguns casos, com singelos CTRL-C e CTRL-Vs… Mas seria pedir muito para estes jovens gestores sujarem as mãos com algo que fuja de seu escopo individual…
Conforme nós temos cansado de repetir: OU O CONHECIMENTO É PÚBLICO – EM PROL DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS – OU NÃO É CONHECIMENTO VERDADEIRO. É qualquer outra coisa, menos Conhecimento.
A “proximidade” com os movimentos sociais, cantada em verso e teses e projetos, vira um mero instrumento – bastante útil, diga-se de passagem, para engordar, envernizar e tornar mais lustroso os respectivos currículos pessoais, as propostas enviadas para editais – e, claro, para turbinar as respectivas carreiras… Temos que superar urgentemente o regime dos é-di-tais, e passar a uma etapa superior onde o é seja é-di-todos!
Nosso movimento sempre repudiou e sempre repudiará e combaterá este tipo de postura parasitária, oportunista e carreirista!
E avisamos, mais uma vez, a tod@s aqueles para quem a carapuça servir, que nós não estamos de chapéu atolado diante de suas movimentações e articulações de bastidores, as quais mais dia menos dia chegam ao nosso conhecimento.
NÃO PASSARÃO!
NÃO EM NOSSO NOME!
NOSSAS DORES, NOSSOS SONHOS E NOSSAS LUTAS COTIDIANAS NÃO CABEM NAS SUAS CARREIRAS INDIVIDUAIS!
Movimento Independente Mães de Maio
Hannah 28 de março de 2015 Realmente, é muito importante o questionamento que está aqui. É muito conveniente sair do conforto da casa para ir pesquisar em favela e ser financiado pra isso. Ficar ganhando dinheiro às custas dos outros. É exatamente a conversa que eu tive outro dia. Desculpem, mas eu faço mestrado. Eu pesquiso a zona portuária e com minha pesquisa não creio que vou mudar o que está acontecendo lá. Estou apenas aprendendo a pesquisar. Mas fora disso, no meu dia a dia, me esforço para estar presente contestando as inúmeras injustiças desse país. A carreira acadêmica não é nem nunca foi meu objetivo, mas outro dia um parente me perguntou: “mas esse negócio de mestrado muda alguma coisa? assim, na sociedade, ajuda a mudar alguma coisa?” Eu simplesmente respondi: “olha, em alguns casos pode mudar, quando a pessoa se engaja e vai além de pesquisas. mas na maioria das vezes, e na melhor das hipóteses, muda a vida só da pessoa que pesquisa, ela aprende muito, pode ter um emprego melhor, só isso”. É isso. espero que a ideia de vocês chame a atenção para uma mudança de postura da universidade com a sociedade. Obrigada e grande abraço.
Henrique 4 de julho de 2015 Pois é…muito oportunos seu comentário e texto…muitos milhões do contribuinte são gastos em pesquisas que terminam encerradas em prateleiras sem reverter-se absolutamente em nenhum benefício para a população…nem a nível de esclarecimento…montamos apenas banco de dados para os americanos aprenderem mais sobre nós. Parabéns pela sua coragem de trazer luz àqueles que acreditam que essas pesquisas mudam alguma coisa no cotidiano das pessoas…no mais o desabafo contido neste texto revela uma verdade: tais pesquisas patrocinadas pela CAPES só servem às traças. Um abraço!
Bárbara Furtado 29 de maio de 2015 Está aí um desabafo que realmente me contempla!!! Cadê as pesquisa aplicadas que realmente vão transformar a vida da sociedade??? Cadê as pesquisas sócio-políticas que visam diminuir as iniquidades sociais??? Esse texto é uma denúncia e ao mesmo tempo um clamor!!! Tem muitos precisando de ajuda, de suporte, de desenvolvimento e não dá pra continuar tratando as pessoas enquanto objetos de estudos, simplesmente porque são SUJEITOS!!!! Não dá pra fazer pesquisa simplesmente pra conhecer. O Brasil é principalmente os pesquisadores nesse caso devem pensar em qual retorno será obtido de suas pesquisas e principalmente se esse retorno é simplesmente para o próprio pesquisador ou para a sociedade envolvida
Juliana 6 de junho de 2015 Uma vez ouvi que as pessoas de uma comunidade não aguentavam mais preencher questionários de pesquisas acadêmicas. Nesse caso, em especial, e em outros, é preciso levar os resultados até eles ao final. “Prestar contas” não só às instituições de fomento à pesquisa, mas ao “objeto” da pesquisa. Bom, Hannah, acho que o mestrado não “muda a vida só da pessoa que pesquisa”. Não creio que seja “só isso”. Estudando, em qualquer que seja o “nível” (alfabetização, básico, médio, superior, pós-graduação), a pessoa está aprendendo e, abrindo a cabeça, ela está, sim, contribuindo com o mundo ao seu redor. Mesmo que isso não seja pragmaticamente visível.
Acho que era isso por ora.
Cordialmente, Juliana Galvão Minas
Alexandre Maruca 3 de julho de 2015 Gostei muito do posicionamento. É muito comum ver este tipo de postura entre os weberianos das humanas da USP, por exemplo. Vou compartilhar.
adenilde 3 de julho de 2015 Verdade….ótima reflexão…mas quem deu procuração prá classe média falar em nosso nome?
Shirley 4 de julho de 2015 Ótimos texto Mães, pq essas mesmas pessoas que julgam querer ajudar os mais necessitados, tentam minorar o trabalho de muitos pobres em sua própria comunidade e privilegiar a meritocracia. Isso é revoltante e desestimulante.
Julia Vieira 4 de julho de 2015 Lavaram minha alma! O silêncio dos Acadêmicos na hora H é revoltante! A falta de envolvimento das ONGs em assuntos polêmicos que as expõem “desfavoravelmente” aos seus patrocinadore$ capitalistas cheios de passivos sociais e ambientais também é revoltante! O que dizer de instituições que negam o que já era? Governamental x Não Governamental É-DI-TODxS. Gratidão.
Aldo Presto 7 de julho de 2015 O individualismo é marca da nossa época. Está refletido inclusive no próprio texto acima. Ele julga as pessoas no que fazem ou deixam de fazer de imediato e não as vê como membros de uma sociedade. Um(a) professor(a) e pesquisador(a) bem formado(a) e comprometido(a) com ideias de justiça social, mesmo não engajado fisicamente num movimento social, pode ajudar muito a mudar a realidade. Isso se dá em pelo menos duas frentes. Primeiro, ele pratica a luta no campo das ideias e da argumentação diária. Segundo, ele ajuda a formar pessoas que, se não tiverem contato com ele, jamais pensarão em se engajar nos mesmos ideais. E dessa miríade de alunos e professores formados sairão tanto pessoas que continuarão na luta nos diversos campos em que ela se manifesta.